Conheça o Alms Giving (Cerimônia das Almas) no Laos

Prática Budista realizada desde o século XIV, o Alms Giving (Cerimônia das Almas) é a doação de alimentos por parte da população local, para monges e noviços dos monastérios da cidade. Ela acontece no Laos, na cidade de Luang Prabang, que foi nomeada Herança do Patrimônio Mundial pela UNESCO.

Todos os dias - inclusive Sábados, Domingos e Feriados - ao nascer do sol, as principais ruas ao redor dos templos e monastérios da cidade enchem-se de homens, mulheres, crianças e hoje em dia, muitos turistas, que ajoelham-se à beira da calçada com doações, enquanto monges e noviços passam com cestas coletando as oferendas. Os alimentos doados são parte da única refeição diária consumida por eles! Arroz (sticky rice), frutas e doces (como bolos e chocolates) são as doações mais comuns.

Noviços fazem fila para receber as diversas doações

Noviços fazem fila para receber as diversas doações


Como participar do Cerimônia das Almas?

A cerimônia começa às 6 da manhã então você precisa acordar cedo! Nós nos preparamos comprando  produtos locais vendidos no Night Market (Feira noturna) na noite anterior e dividimos as comidas em sacolinhas. Já de madrugada, quando estiver indo em direção a Cerimônia, você vai encontrar muitos vendedores ambulantes cobrando preços absurdos por frutas e porções de arroz. Compre as coisas antes e evite ser roubado.

Antes do sol nascer muitos já tomam lugar para esperar pelos monges

Antes do sol nascer muitos já tomam lugar para esperar pelos monges

Todos os dias, religiosamente, os monges e noviços de todos os templos e monastérios saem para arrecadar as doações. Se eles não o fizerem não tem de comer. 
 

Cerimônia do turismo

Por conta do turismo, essa prática que é mantida desde o século XIV, sofreu algumas modificações. Existe um verdadeiro comércio em torno do Alms Giving e confesso que me senti um pouco desconfortável com isso. Embora existam pessoas que pratiquem a fé e religiosamente se ajoelhem nos seus tapetinhos às 6 da matina para doar arroz e outras comidas, hoje em dia também são doados também chicletes, balas e chocolates, e agora até mesmo dinheiro, que antes era sequer permitido. Agora, quando os monges não conseguem arrecadar comida suficiente eles acabam usando esse dinheiro para fazer compras.

A chegada do turismo criou espaço para o aparecimento de vendedoras ambulantes que ficam identificando turistas despreparados (que não levaram oferendas) para vender de arroz grudento a balas e chicletes, por preços absurdos. Elas tendem a insistir que você se ajoelhe num lugar designado (cada vendedora tem o seu) por ela. É uma dinâmica estranha à poucos minutos dos monges passarem, já que essas mulheres desaparecem na hora o Alms Giving; algo tão significativo e importante que de alguma maneira foi afetado negativamente pelo turismo. Digo isso porque fundamentalmente não deveria haver comércio algum ali, já que você deve se preparar para o evento na noite anterior.

Da mesma forma que você nunca deve negociar ou barganhar a comida doada - existe um princípio forte em volta da cerimônia que move a comunidade em dividir o que se tem - e não lucrar com o turismo, ou fazer disso um negócio.

Assim que os monge arrecadam as oferendas, várias crianças pobres alinham-se a frente deles, esperando que os monges redistribuam as doações e eles assim o fazem. As crianças abrem pacotes de biscoito e chocolates ali mesmo e se gabam umas para as outras quando recebem um chocolate ou biscoito de sua preferência. Toda criança e todo monge, assim como todo vendedor ambulante sai da cerimônia e carteira cheia.

Logo que a redistribuição feita pelos monges começa, as crianças rapidamente separam o arroz dos doces e chocolates em diferentes sacolas.
 

Ética durante a cerimônia

Durante a cerimônia é pedido que nós turistas não nos aproximemos dos monges se não estivermos participando. Até mesmo o movimento que fazemos para colocar os alimentos dentro das cestas deve ser cuidadoso, porque eles não podem nunca ser tocados! Não devemos olhá-los nos olhos, tampouco segui-los ou dificultar de qualquer maneira a sua passagem durante o Alms Giving. É pedido também que nos mantenhamos ajoelhados enquanto doamos os alimentos, com ombros e peito cobertos.

Tecnicamente durante a procissão os monges estão meditando e orando e por isso não devem ser distraídos ou incomodados. Flashes de máquinas fotográficas não devem ser disparados sob hipótese alguma, mas infelizmente grande parte dos turistas não aguenta segurar suas super máquinas fotográficas e flashes são disparados incessantemente durante todo o tempo, até que as suas mega lentes não consigam mais alcançar a virada da esquina com o sumiço do último monge da longa fila de pelo menos 20 outros que passam por vez, a cada 2 ou 3 minutos entre as 6 e as 7 da manhã.

Como havíamos conhecido os noviços e o monge do Monastério de Wat Pa Phai por intermédio de uma voluntária na noite anterior - que ensina inglês aos meninos - pegamos a indicação da melhor localização para participar da cerimônia, segundo ela em ruas menores, longe da avenida principal haveria menos turistas. Ficamos numa das ruas paralelas onde pudermos ver muitos moradores do bairro que fazem religiosamente suas doações de arroz grudento para os monges e noviços toda manhã.

Assim que a nossas oferendas acabaram, resolvemos ir até a rua principal para ver como estava a cerimônia por lá, e por um momento tive os olhos cheios de lágrimas com as infinitas selfies que os turistas tiravam da fila de noviços descalços arrecadando alimento. Muitos ficam tão próximos que chegam a obstruir o caminho dos monges. Foi um espetáculo de amor e horror.

Não consegui engolir os turistas cheios de flashes, tampouco os que interrompem o fluxo dos monges para conseguir o close perfeito, enquanto sorriem posicionando suas câmeras para pegar o melhor close dos que, vestidos de laranja vivo, descalços, segurando uma cestinha feita de bambu entrelaçado, seguem na sua maratona diária de arrecadações. Uma mistura de desrespeito e libertinagem num dos países mais abertos quanto a sua religião dentre todos os que já passamos.

Em busca da selfie perfeita, turistas perseguem monges de câmera em punho pela avenida principal

Em busca da selfie perfeita, turistas perseguem monges de câmera em punho pela avenida principal


Budismo e religião no Laos

O Laos foi mesmo o único lugar da Ásia até agora que oferece o Budismo a quem quiser conhecer, sem restrições e excessões. Foi aqui que participamos das preces e da meditação nos monastérios pela primeira vez. Foi o país onde os horários de preces estão na boca de todos, e você pode encontrar um templo próximo a você tão rápido quanto a velocidade da luz. Chegando de ombros cobertos e bermudas-saias-calças abaixo do joelho, sem sentar de pernas esticadas, apontando as solas dos pés para Buda, somos todos bem-vindos. O acolhimento e o sentimento de paz que se sente é aconchegante e fácil de pegar no sono, mesmo que você esteja bem descansado.

 

Se um dia você  participar do alms giving

Fotos são permitidas. Flashes não! Participar é permitido, obstruir o caminho dos monges e noviços não! É uma afronta não seguir regras tão simples para respeitar o merecido espaço dos monges. Por favor, não use flash, não siga os monges pela rua, e não tire selfies durante a cerimônia. Nós não estamos num circo. O Alms Giving é vida real, e tem valor singular no dia dessas pessoas. Vamos nos proteger do nosso próprio prestígio e ego de querer mostrar que estivemos na cerimônia de maneira tão desrespeitosa.

Uma placa orienta os turistas sobre o preço dos items vendidos pelos ambulantes e o que se deve evitar durante a Cerimônia das Almas

Uma placa orienta os turistas sobre o preço dos items vendidos pelos ambulantes e o que se deve evitar durante a Cerimônia das Almas


Os monges e noviços são seres humanos tanto quanto eu e você. Tenho certeza que em qualquer outra circunstância eles não se importariam de tirar um retrato com você (mesmo que precisasse de flash). É só pedir (fora da Cerimônia) e lembrar de não tocá-los, e de preferência se ajoelhar (provando que você não se julga melhor do que eles). O seu mural de fotos vai ficar lindo e super colorido, cheio de sorrisos, assim como o nosso, sem precisar desrespeitar ninguém!

Privilégio ter participado dessa cerimônia, privilégio de ela ainda existir! Vimos com o nossos próprios olhos o que o forte senso de comunidade, generosidade e unidade ainda faz no mundo.

Que paz que Luang Prabang trouxe para as nossas vidas perdure e nunca deixe de existir...

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